2006-03-23
2006-03-18
Fragmentos de um corpo
"Pastoral" na Pena
A neve tinha começado a cair e pousava, ao de leve, nas folhas das árvores e a neblina, antes tão densa, começava a desvanecer. Sentia um frio exterior mas, por dentro estava quente perante esta paisagem e o esforço da subida. Aqui encontrei a calma e o mistério que esconde os segredos dos encontros furtuítos de outros tempos. Tempos em que o tempo corria com a lentidão do prazer de olhar.
Horizontes
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Nas cidades as grandes csasa fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
“Guardador de rebanhos” – Alberto Caeiro
Pedro e Inês
Pedro sentou-se, tranquilamente sobre um tronco deixado cair do plátano que lhe dava sombra.
Abriu, despreocupadamente, um livro de P. Paixão sem saber qual o título.
Isso que lhe importava!
Todos são o seu modo de escrita
Todos são feitos de frases que lhe passaram pelos olhos da alma e que, timidamente, guardou em lugar seguro.
Duma janela troca-se o som de David Brubeck pela brisa perfumada do parque.
Inês acaba de tomar banho e ainda com o cabelo molhado envolto pela tolha, reconhece no espelho do quarto uma cara de suprema felicidade. A sua boca sabia ainda ao corpo de Pedro. Uma mistura de doce e salgado, a alfazema do seu perfume e o suor da paixão.
Pedro esperava que Inês o chamasse para a mesa posta na varanda. Saboreava ainda a mistura de doce e de salgado, do bergamo do perfume e do suor da paixão, que a sua boca transportava da noite anterior.
Esse sabor deu-lhe um sorriso que se projecta na moldura em ogiva da janela coberta por heras.
Inês, da janela do quarto, vislumbra Pedro e os seus olhares, tão longinquamente perto, cruzam-se com a mesma paixão de outro Pedro e de outra Inês, de uma paixão tão intensamente vivida, paixão de lágrimas, de sangue , de morte.
Pôr do Sol sobre as ilhas
Vi-te sair de um pôr do sol sobre as ilhas.
O teu corpo dourado passou por entre nuvens brancas,
nuvens carregadas dum negro cinza como aço de uma espada.
Lavaste os olhos no mar plumbeo e tingiste-o no verde da tua irís.
De entre as ilhas o som das ondas fundiu-se com a tua canção de embalar
com que aconchegaste o sono leve deste dia.
E o Sol,
estendido no leito verde do mar,
adormeceu.